á um ano, quando voltou de uma temporada em Lisboa, Portugal, o estudante Thiago Mello, 28, fez a opção de não ter conta corrente ou poupança em banco. Por mais que pareça improvável, o jovem mineiro faz parte de um contingente de 39,5% dos brasileiros em idade adulta – ou 55 milhões de pessoas – que, simplesmente, não existem para o sistema financeiro.
Os dados são de uma pesquisa do instituto Data Popular, feita entre fevereiro e março deste ano. Se, por um lado, essas pessoas são ignoradas pelos bancos, por outro elas vão movimentar, neste ano, uma soma nada desprezível: R$ 665 bilhões, de acordo com o levantamento do Data Popular.
Entre os motivos para que milhões de pessoas prefiram não ter conta em banco está a opção pessoal. Geralmente, segundo o levantamento, são pessoas que não enxergam vantagem em pagar taxas de manutenção às instituições financeiras. “Tenho uma vida normal sem conta em banco. Pego ônibus, estudo e trabalho. Estou fazendo um exercício de desapego e foi minha opção não pagar taxas (aos bancos). O dinheiro que tenho está nas minhas mãos”, conta Thiago Mello.
O pai do estudante, de 62 anos, que não quis dar entrevista, é outro adepto da não aderência ao sistema financeiro. Aposentado, ele só vai ao banco para receber a féria mensal. “Meu pai não gosta nem de ouvir falar em banco”, diz Thiago.
A diarista Elisa Gomes de Moura, 56, é outro exemplo de resistência a taxas de manutenção, cartões de débito e de crédito, cheque especial e outras benesses – ou não. “Meu filho, quem tem conta vive endividado. Meu salário não dá para ficar pagando taxas não. Pelo menos, eu não me endivido. Vivo com o que tenho”, explica Elisa.
TIRO CERTO.Se viver sem conta em banco parece uma realidade distante daqueles que se acostumaram ao “dinheiro eletrônico”, para especialistas a estratégia de muitos é perfeitamente compreensível.
“É uma questão de sobrevivência para essas pessoas. As taxas cobradas, de R$ 20, R$ 30 ou R$ 40 por mês, significam menos sacos de arroz e de feijão na mesa daqueles que ganham menos. Não há nada de errado na estratégia deles”, analisa o professor de finanças do Ibmec Eduardo Coutinho.
A também professora de finanças Marlene Kraus, da Fundação Getúlio Vargas, concorda com o colega. “Essa pessoa age corretamente porque minimiza os custos e maximiza o poder de compra dela”, define.
Nordeste e Norte são as regiões com menos acesso ao sistema
Proporcionalmente à sua população total, o Nordeste é a região brasileira que mais tem pessoas ‘não bancarizadas’ – termo utilizado pela pesquisa do Data Popular. São 53% de pessoas que não estão inseridas no sistema financeiro.
Em seguida, aparece o Norte do país, com 50% da população adulta sem conta. O Sudeste tem 34%; o Centro-Oeste, 31%, e o Sul do Brasil aparece no levantamento com 30%.
O relatório não contemplou a divisão dos ‘não bancarizados’ por Estado. Apenas as regiões administrativas do país foram levadas em consideração pelo estudo, feito também com base em dados analíticos obtidos a partir da Pesquisa do Orçamento Familiar (POF) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Pontos de vista
Os bancos estão atentos ao contingente de 55 milhões de pessoas fora do sistema financeiro nacional? Os especialistas consultados pela reportagem de O TEMPO divergem sobre isso. Para a professora de finanças Marlene Kraus, da Fundação Getúlio Vargas, as instituições estão atentas. “Os bancos hoje têm correspondentes em lotéricas e empréstimos consignados, por exemplo”, avalia ela. Já o também professor de finanças Eduardo Coutinho, do Ibmec, acredita que o setor financeiro não se interessa em atingir um universo maior de pessoas. “É uma estratégia mesmo. Não vejo essa preocupação nas instituições financeiras”, pontua o especialista.
Em `cash´ é melhor
A pesquisa feita pelo instituto Data Popular aponta que quanto menor a renda, mais importância tem o dinheiro físico na hora do pagamento das contas. De acordo com o levantamento, 84% dos integrantes das classes D/E utilizam a moeda em espécie na hora do pagamento de produtos e serviços. O papel moeda é utilizado nas compras de 76% dos membros da classe C, que, emergente, hoje representa 53% da população brasileira.
As classes A/B são as mais desprendidas da forma mais tradicional de realizar os pagamentos. De acordo com a pesquisa, 74% dos mais ricos utilizam o dinheiro físico na hora de ir às compras.