Artigo de Antonio Fausto do Nascimento, aposentado do Banco do Brasil, ex-diretor do Sindicato dos Bancários de Niterói e Região.
Os fundos de pensão, o governo e a crise
Antonio Fausto do Nascimento
A previdência complementar, no Brasil, já acumula ativos de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB), abrangendo aproximadamente 20 milhões de pessoas, 10% da população do País, incluindo dependentes e beneficiários. Decorrência da concentração de renda, dos baixos salários dos trabalhadores, dos incentivos fiscais, da força política e de mercado do sistema financeiro e da deterioração da Previdência Social Pública. Em todo caso, um segmento importante da economia nacional, que não póde ser ignorado.
Um terço dos ativos mencionados, correspondente à modalidade Aberta, é negócio de bancos e seguradoras, com características mais aproximadas de aplicações financeiras e securitárias que de planos previdenciários. Nos últimos dez anos, os fundos abertos crescem o dobro dos fechados (fundos de pensão), ainda assim os ativos previdenciários, no Brasil, são pequenos, comparados aos de países desenvolvidos.
À modalidade fechada correspondem os fundos de pensão, patrimônio de R$ 560 bilhões, 3,1 milhões de participantes ativos, aposentados e pensionistas, reunidos em 370 entidades. Pouco mais de um quinto são de empresas públicas, que detêm dois terços do patrimônio. Mais da metade deste montante encontra-se concentrado em Fundos, patrocinados por cerca de dez empresas estatais federais, onde ressaltam a ingerência do governo e a exclusão do corpo social.
Geridos, em geral, por um conselho deliberativo, com representação paritária, no plano formal, mas cujo presidente é indicado pelo patrocinador e detém o voto de qualidade. Com relação à diretoria executiva, metade dos cargos, os mais estratégicos, são igualmente indicados pelas empresas. O corpo social não tem poderes sequer de aprovação das contas dos administradores, sendo consultado nas eleições e, informalmente, em assuntos relacionados à distribuição de resultados.
O Poder Executivo intervém nos Fundos de Pensão das grandes empresas estatais federais mediante os seguintes procedimentos:
a) loteamento dos cargos de direção entre o sindicalismo estatal e os partidos da coalizão governante, conforme é público e notório e denúncias da imprensa diária;
b) retirada de recursos dos Fundos, via Instrução 371 da Comissão de Valores Mobiliários-CVM e da Resolução 26 do Conselho de Gestão da Previdência Complementar-CGPC – que permitem aos patrocinadores a apropriação de metade dos “superávits” das entidades e de juros atuariais futuros – ora sub judice;
c) ajustes de pessoal dos patrocinadores, mediantes planos de demissões “voluntárias” e aposentadorias “antecipadas”, sem os pressupostos da legislação previdenciária, inflando onerosamente a população assistida e os benefícios correspondentes;
d) aplicação de recursos das entidades em obras públicas – de baixo e demorado retorno e riscos de paralisação, como é o caso da usina hidreelétrica de Belo Monte, cuja participação de três grandes Fundos de empresas estatais é da ordem de 27,5% do empreendimento;
e) inclusão indevida de verbas salariais na base de contribuição e elevação do teto de benefícios, no interesse da cúpula dirigente do patrocinador, sem cobertura atuarial e ao arrepio da legislação vigente.
O maior compromisso financeiro dos Fundos de Pensão, consiste no pagamento mensal de aposentadorias e pensões a cerca de setecentos mil assistidos. No caso das entidades de maior porte, trata-se de valores expressivos, que rivalizam com gastos de pessoal de grandes instituições públicas e privadas.
O agravamento da crise mundial, nos últimos meses, tem impactado o conjunto da economia brasileira no tocante à redução do crescimento à metade do ano anterior, inflação mais elevada, volatilidade do câmbio e desvalorização de ativos.
Os recursos dos Fundos são aplicados em fundos de investimento, títulos públicos e ações, com predominância da chamada renda fixa, o principal colchão de liquidez da maior parte deles, que vem sendo utilizado, parcialmente, no pagamento de benefícios, diminuindo em termos reais ao longo do tempo, por força da corrosão inflacionária.
Quanto às ações, a menos que ocorra uma reversão, registra-se no corrente ano uma queda expressiva do mercado. As receitas com dividendos, significativas para Planos expostos em renda variável (ações), encontram-se ameaçadas pela redução dos lucros corporativos e o impacto da variação cambial incidente sobre o endividamento externo das empresas, que dobrou nos últimos cinco anos. As reduções de receitas, ora mencionadas, ameaçam o cumprimento da meta atuarial, em 2011, por muitos Fundos, e até mesmo a ocorrência de “déficits”.
A criação em 2009 da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC foi positiva e modernizante, embora sem os requisitos de uma verdadeira agência reguladora das entidades fechadas, ainda sujeita à interferência do Poder Executivo – via Ministério da Previdência, e seus titulares não foram submetidos à aprovação prévia do Senado Federal, que foi omisso no caso.
Além de falhas regulatórias, a base financeira da previdência complementar brasileira, aberta e fechada, é ainda muito frágil, bastante dependente da inflação e dos juros da Dívida Pública. É emblemática a crise dos montepios, na década de oitenta do século passado, quando a hiperinflação e os planos econômicos corroeram o valor dos contratos.
Aos participantes, organizados em suas entidades de aposentados e trabalhadores ativos, cabe se mobilizarem no sentido de defenderem o patrimônio dos Fundos de Pensão, a segurança, rentabilidade e liquidez de suas aplicações, a denúncia de transações ruinosas e da ingerência político-partidária, democratização da gestão e representação efetiva do corpo social.