Reforma torna aposentadoria integral uma ‘utopia’

O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) considera a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287 “um passo a mais na corrosão da confiança no sistema da Previdência pública e, portanto, coloca em risco a Previdência Social e toda a estrutura de proteção social construída a partir da Constituição de 1988”.

Segundo afirma a instituição, em nota técnica, a PEC apresentada pelo governo Temer em 5 de dezembro contraria políticas que buscam reduzir as desigualdades e torna a aposentadoria integral praticamente uma “utopia”, retardando em uma década esse direito do trabalhador que contribuiu para o sistema.

Em síntese, diz o Dieese, a proposta visa a dificultar ou impedir acesso a benefícios – para quem conseguir, retardar o início do recebimento e reduzir o valor. Por isso, o instituto afirma que o governo promove uma “minimização” da Previdência pública.

“A fragilização da Previdência Social se articula com o enfraquecimento das políticas públicas voltadas para a população e favorece o aumento da vulnerabilidade social, da pobreza e das desigualdades no país, contrariando o artigo 3º da Constituição que declara, como parte dos objetivos fundamentais da República, a construção de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais”, diz o Dieese, que vê negligência do Estado em sua função de proteção social, além de sinais de favorecimento ao setor privado. “Transparece ainda na proposta um objetivo implícito de fragilizar a Previdência Social e estimular a difusão de sistemas privados de previdência.”

“Utopia” – Além disso, obter a aposentadoria integral passaria a ser uma “utopia” caso a proposta seja aprovada. “Caso a trabalhadora ou o trabalhador consiga se aposentar pelos limites mínimos de idade e de tempo de contribuição, o valor do benefício será de 76% da média calculada com base em toda sua vida contributiva desde julho de 1994”, lembra o Dieese. “Para garantir o valor integral do benefício, a pessoa trabalhadora teria que contribuir por 49 anos, tempo que demonstra a utopia que será o desejo de se aposentar com valor integral, mesmo que calculado com base em toda a trajetória contributiva.”

Pela análise do Dieese, a PEC 287, ao considerar políticas públicas apenas como despesas, assume uma perspectiva meramente financeira. Para o instituto, um possível “alívio financeiro” para o Estado resulta em ônus para os trabalhadores e as famílias. Isso acontece na medida em que “essas políticas deixam de ser tratadas como garantidoras de direitos sociais, para os quais deve-se, sim, discutir regras, mas também buscar garantir financiamento”.

 

Pior que o fator – Na nota técnica, o instituto também critica mudança de cálculo de benefícios, reduzindo o patamar inicial do valor da aposentadoria como percentual do salário de benefício de 70% para 51%. “A forma de cálculo do benefício indica redução imediata da taxa de reposição, ou seja, da relação entre o valor do benefício e o salário de contribuição. Isso decorre da redução do percentual mínimo garantido de 70% para 51% e do fim do fator previdenciário e da fórmula 85/95, bem como da mudança da média dos 80% maiores valores do salário de contribuição para a média de todos os valores. Pode-se dizer ainda que a forma de cálculo da PEC é pior do que a regra atual do fator previdenciário, pois ela exige tempo de contribuição muito maior para resultar em aposentadoria de 100% do salário de benefício”, compara.

Sobre a regra geral para aposentadoria, a partir dos 65 anos e com pelo menos 25 anos de contribuição, o Dieese afirma que a PEC “retarda em uma década o momento em que o trabalhador pode se aposentar com 100% do valor do salário de benefício para o qual contribuiu durante a vida laboral”. Com a regra proposta, o valor mínimo do benefício seria de 76% da média das contribuições, considerando 76% a soma de 51% (percentual mínimo) e 25% (anos de contribuição).

Para alcançar 100% da média, lembra o Dieese, seria necessário contribuir durante 49 anos. Ao destacar, citando dados da própria Previdência que em 2014, em média, cada trabalhador pagou 9,1 contribuições previdenciárias, “com essa taxa de 9,1 contribuições por 12 meses, seria necessário esperar 64,6 anos, depois de iniciar a vida laboral, para completar o correspondente a 49 anos de contribuições”.

Ao analisar a proposta de aumento do tempo mínimo de contribuição, de 15 para 25 anos, o instituto fala em “forte enrijecimento da regra” de acesso ao benefício. “Acumular 300 contribuições mensais não é trivial no mercado de trabalho brasileiro, em função da rotatividade, da informalidade e ilegalidade nas contratações, dos períodos em desemprego e das frequentes transições entre atividade e inatividade econômica”, observam os técnicos do Dieese. “Outra evidência de que grande parte dos contribuintes não consegue e não conseguirá contribuir o suficiente para alcançar uma aposentadoria mais vantajosa é o fato de que apenas 49% deles conseguiram fazer as 12 contribuições mensais ao longo de 2014.”

Irrealista – O instituto destaca que a exposição de motivos da PEC não traz explicação sobre a proposta de mudança do cálculo do benefício. “Tudo indica que o raciocínio utilizado foi: subtrair a idade legal de início de trabalho no Brasil (16 anos) da idade mínima de aposentadoria proposta (65 anos) e fazer com que ao resultado dessa diferença (49 anos) corresponda à aposentadoria integral”, analisa.

“A suposição, totalmente irrealista para a realidade brasileira, é que a pessoa trabalhadora contribuiu todos os meses, ininterruptamente, no período entre os 16 e os 65 anos, sem nunca ter ficado desempregada, inativa do ponto de vista econômico, na informalidade (isto é, como autônoma sem contribuição previdenciária) ou na ilegalidade (contratada sem carteira). A suposição do início do período contributivo aos 16 anos também desconsidera o princípio de que, nessa idade, a pessoa ainda deveria estar em processo de escolarização e de formação para o trabalho.”

Proposta das centrais – O Dieese lembra que, desde setembro de 2015, as centrais negociam com o governo. Em junho do ano passado, apresentaram um documento com propostas de melhoria da gestão e do financiamento da Previdência, incluindo revisão ou fim de desonerações sobre folha de pagamento, revisão de isenções para entidades filantrópicas, alienação de imóveis, melhoria da fiscalização, cobrança de dívidas e fim da aplicação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) sobre o orçamento da Seguridade Social.

De todas as medidas, o governo aproveitou apenas uma na PEC: “De fato, a proposta determina que as exportações do agronegócio passem a contribuir para a Previdência e também que, para muitas empresas, deixe de ser vantajoso optar pela tributação sobre o faturamento em substituição à contribuição sobre a folha de salários para a Previdência”. Mas acrescenta que, apesar da motivação “fiscal” para a reforma, “o governo não lançou qualquer medida que reduza a profunda injustiça tributária que existe no país”.

A PEC 287 aguarda a formação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados.

 
 
Fonte: Rede Brasil Atual