No noticiário e na cabeça da maioria dos brasileiros, a grande questão da Lei Geral da Copa 2014, que também se aplica à Copa das Confederações 2012, ambas no Brasil, é o consumo de bebidas alcoólicas nos jogos, que é proibido por leis estaduais em sete dos 12 estados-sede da Copa 2014.
Semana passada, quando a Lei Geral da Copa foi aprovada na Câmara – falta a votação no Senado -, os deputados federais driblaram essa polêmica, que provocou até atos públicos da bancada evangélica na Casa, passando-o para a decisão dos estados que proíbem bebidas em jogos de futebol.
Entretanto, quem, como eu, leu a Lei da Copa por inteiro, percebe que a questão da bebida alcoólica é um dos menores desrespeitos às leis federais, estaduais e municipais do Brasil, que foram dribladas, de passagem, pelas exigências da FIFA, o que dá a entender que quem estava de porre era o Governo Lula, quando, em 2007, lutou para sediar a Copa de 2014 e aceitou as exigências, sem aviso prévio ao Congresso.
A leitura da Lei da Copa nos leva a imaginar que os representantes do Brasil não leram as exigências ou elas não estavam escritas ainda. Ou que eles leram, mas não deram bola para elas.
Vamos aos fatos!
A Lei da Copa suspende as exigências para os vistos de entrada no país e ainda torna os vistos para as Copas – 2012 e 2014 – prioritários e gratuitos; responsabiliza o Governo, inclusive financeiramente, por qualquer acidente ou incidente ocorrido nesses eventos; permite que a FIFA determine o preço dos ingressos, que só deverão permitir às elites e aos turistas estrangeiros entrarem nos estádios, dos quais ficará de fora a maioria dos brasileiros; suspende as leis estaduais e municipais em favor de descontos e gratuidades para estudantes, idosos, deficientes e outros grupos; determina que a União responda pela FIFA, caso essa entidade seja acionada na Justiça; dá à FIFA o direito de autorizar o Governo brasileiro a decretar feriados nacionais em seu próprio país; obriga o Governo a alterar e ampliar as férias escolares de julho, de modo que as mesmas coincidam com o início e o final da Copa 2014; o Governo ainda terá que obrigar as escolas particulares a fazerem o mesmo; e, por fim, entre outras coisas, em uma série de detalhes esportivos, é eliminado o Estatuto do Torcedor.
Entre as outras coisas, há uma curiosa cereja nesse bolo. O Governo, e não a rica CBF, fica obrigado a pagar um prêmio de 100 mil reais para os ex-campeões mundiais das copas de 1958, 1962 e 1970, sem descontos para o INSS ou para a Receita Federal, obrigação de todos os premiados no Brasil, das loterias ao BBB. Além disso, esses campeões passarão a receber mensalmente do INSS o valor de uma aposentadoria pelo teto do Instituto, quantia que um trabalhador brasileiro só recebe após contribuir por 35 anos para o INSS e ter 65 de idade. Lembre-se que uma Copa do Mundo não dura sequer 35 dias. E tem mais! Na falta desses campeões, seus herdeiros estão habilitados ao prêmio de R$ 100.000,00 e à pensão pelo teto do INSS.
Desde o século XVIII, muitos lutaram e morreram pelas ideias iluministas de autodeterminação dos povos e soberania nacional. Hoje, essa ainda é a luta – e a morte – de norte-irlandeses, bascos, kosovares, curdos, palestinos, chechenos, caxemires e tibetanos.
Estranhamente, pelo prazer de ver – ou de construir – uma Copa do Mundo em seu país, o que a maioria dos brasileiros continuará vendo pela televisão, o Governo, os políticos e o Povo, tranquila e alegremente (ou até com orgulho), abdicam de sua autodeterminação e de sua soberania nacional, entregando à FIFA e à CBF o que se conquistou com suor e sangue. E não de graça, mas, pior, com ônus para todos os contribuintes.
Segundo o deputado federal fluminense Chico Alencar, professor de História e do PSOL, o único partido que votou na Câmara contra a Lei Geral da Copa, “O Brasil vai virar um protetorado da FIFA e os interesses do povo brasileiro vão ficar no banco de reservas”.
A Lei Geral é apenas um dos problemas da Copa 2014. No dia seguinte de sua aprovação pela Câmara, pela Copa Libertadores, o Fluminense jogou contra o Zamora, da Venezuela, em um estádio construído para a Copa América 2007 por 65 milhões de dólares pelo governo de Hugo Chávez, pouco menos de 120 milhões de reais. A reforma do Maracanã custará, segundo o orçamento atual, dez vezes mais que isso: um bilhão e duzentos milhões de reais.
É o preço da Copa!
Texto: Marcelo Quaresma – Diretor Seeb-Niterói