Me pergunto por que realizamos aquela viagem a Santos. O jantar acabou tendo consequências desastrosas no dia seguinte ao que nos foi servida memorável costeleta de porco, tão elogiada.
Raiou a manhã, metade da comitiva padecia das contrações e aguilhoadas intestinais, cujo resultado é a evacuação constante de matéria fecal, mais líquida que sólida. Os físicos definem como diarréia, a gente miúda a conhece por \’caganeira\’. Discussão inútil, pois o excremento tema o mesmo fedor sob qualquer nome.
Não querendo ser motivo de pilhéria, Dom Pedro determinou que subíssemos a serra. Antes de termos alcançado Cubatão, muito éramos obrigados a apear para a evacuação.
No topo da serra, veio ao nosso encontro Francisco de Castro Canto e Melo. Dava conta de que um correio mandado por José Bonifácio e pela Princesa Leopoldina estava a ponto de chegar a São Paulo, trazendo notícias urgentes. Dom Pedro sobressaltado, ordenou que metêssemos a espora com o fim de chegar à capital o quanto antes.
Não contava que, com o trote forçado, também o ventre quisesse soltar. Quando atingimos o alto de uma colina, próxima ao riacho do Ipiranga [foto], ele, eu e mais oito oficiais tivemos que apear e acalmar as revoluções das nossas vísceras.
Enquanto estávamos procedendo ao despejamento, chegou à colina o oficial da Corte trazendo as cartas da Princesa e de José Bonifácio. Dom Pedro subiu afobadamente o calção e foi ver os documentos.
As cartas davam conta ao Príncipe das últimas decisões das Cortes Portuguesas. Dom Pedro estaria destituído do cargo de Príncipe Regente, perderia o poder de nomear ministros e recebia uma ameaça: uma tropa estava a caminho para restabelecer a ordem na parte do Reino que ele governava.
Não era difícil prever a resposta que ele daria a esse puxão de orelha das Cortes.
Dom Pedro estava subindo no jumento, quando ouvi um grito: \”Laços fora, soldados!\”.
Todos ficaram assustados. Mas alguns arrancaram o laço das armas portuguesas.
O Príncipe montou seu asno branco, desembainhou a espada e foi para o meio do grupamento. Resolvi também desembainhar a minha espada, no que fui seguido por todos, a não ser pelo padre Belchior, que empunhou o crucifixo. Dom Pedro animou-se e deu outro grito, erguendo a espada: \”Viva a independência e a separação do Brasil!\”.
Todos gritamos: \”Viva!\”.
\”Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro promover a liberdade do Brasil!\”.
Dom Pedro havia escolhido aquele recanto bucólico para efetivar a separação dos dois reinos. Ergueu a espada e gritou novamente: \”Independência ou morte!\”.
Ninguém soube o que dizer. Não se podia responder aquela frase com um \”Viva!\” ou um \”Eia!\”, muito menos com um \”Saúde!\”. Precisava responder em nome de todos. Ergui minha espada e soltei um potente berro: \”Independência ou morte!\”.
Em seguida todos gritaram o mote.
O Príncipe, diante daquela aclamação, continuou a repetir o mesmo grito e nós fazíamos o eco. Assim foi por uns dez minutos, até que Dom Pedro cansou, esporeou o animal e seguimos até São Paulo. Essa história eu dou fé que é verdadeira.
Extraído e adaptado do livro \”Galantes memória e admiráveis aventuras do virtuoso Conselheiro Gomes, O Chalaça\”, de José Roberto Torero (MQ).