O debate sobre a reforma tributária é fundamental para definir o tipo de Estado que queremos no Brasil – e os trabalhadores precisam entrar nesse debate para definir qual a reforma que interessa à maioria do país. Essa foi a tônica da discussão sobre o tema realizado durante a reunião da Direção Nacional da Contraf-CUT, na tarde desta terça-feira, 10, em São Paulo.
Participaram como expositores o secretário de Finanças da CUT e ex-presidente da Contraf-CUT, Vagner Freitas, e o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), Pedro Delarue Tolentino Filho.
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“A disputa pelo sistema tributário fala do Estado que queremos ter”, resume Vagner. “O Estado de fomento, que promove a distribuição de renda, que é o que queremos, e o Estado que não tem essas funções, o chamado Estado mínimo, que foi a tese derrotada nas últimas eleições”, afirma.
Vagner apresentou as linhas gerais da CUT sobre o tema, que integram as propostas da Central para o desenvolvimento do país. Fruto de discussões realizadas desde 2007, a iniciativa constou da Plataforma da CUT para as Eleições 2010, entregue a todos os candidatos. A intenção é elaborar politicas que permitam crescimento econômico, com distribuição de renda, democracia e sustentabilidade ambiental. Um dos principais pontos dessas propostas é a redução das desigualdades de renda e regionais dentro do país.
“Nesse sentido, a questão tributária é fundamental”, afirma Vagner. “Mas sempre que se fala nesse ponto, o foco é diminuir a carga tributária, discussão que os empresários adoram. Mas o tema é muito mais que isso. O tributo é o preço da cidadania, ele define o Estado que se quer. A carga tributaria é a medida do esforço da sociedade para financiar políticas públicas. São dois debates que precisam vir juntos: para que o Estado possa promover a igualdade social, precisa de tributação”, sustenta.
A CUT defende uma série de propostas para tornar o sistema de tributação brasileiro mais justo, cobrando mais dos ricos e menos de quem ganha menos. Hoje, ocorre o contrário: trabalhadores que recebem até dois salários mínimos comprometem 48% de sua renda com impostos, enquanto quem ganha acima de 30 salários mínimos gasta 26%.
Uma das causas disso é que nem todos os rendimentos são tributados. Lucros e dividendos apurados por empresas, por exemplo, são isentos de imposto de renda e a tributação sobre a renda fundiária é pequena, variando de 0,03% a 20%. “Num país com grande concentração de terras como o Brasil, isso é injusto”, afirma o dirigente da CUT.
Outro problema levantado é o excesso de tributação sobre o consumo, que penaliza os mais pobres, em detrimento de tributação sobre o patrimônio, a propriedade e a renda, que afetam mais duramente os mais ricos. “É preciso mudar essa situação. Além disso, é fundamental desonerar a cesta básica. Não se pode tributar o arroz, a farinha da mesma forma que o jatinho e o jet-ski”, compara Vagner.
Ele defende ainda uma maior transparência no orçamento dos governos. “As pessoas precisam ver o que se faz com os impostos. Não vivemos uma democracia completa. A sociedade vota, elege os representantes e para por aí, não acompanha o que faz o eleito e não sabe o que é feito com seus tributos. O tema precisa ser discutido abertamente com a sociedade”, sustenta.
Lei protege os mais ricos
O presidente do Sindfisco defendeu a importância da sociedade se apropriar do debate sobre a tributação. “Quando se fala em reforma tributária, a maioria pensa que o empresariado vai fazer algumas leis e teremos que pagar por elas. A visão dos trabalhadores precisa fazer parte dessa reforma. Temos que disputar com os empresários e o sistema financeiro sobre qual a reforma necessária para o país”, afirma.
Estudos do Sindifisco Nacional apontam em 33% do PIB a carga tributária do país. “A carga não chega a ser tão elevada, se considerarmos as obrigações assumidas pelo Estado na Constituição Federal de 1988, de garantir seguridade social para toda a população (aposentadoria, universalização da saúde). E isso existe, pode não ter a qualidade que queremos, mas existe”, afirma Pedro.
Para ele, o problema da carga tributária é que ela incide de forma diferente para cada pessoa. Destes, 54,9% da arrecadação é de impostos sobre o consumo, contra 26,94% de impostos que incidem sobre a renda e apenas 3,72% sobre o patrimônio. Assim, os mais pobres são os grandes penalizados, pois a maior parte de seus rendimentos é direcionada para o consumo, enquanto os mais ricos poupam ou investem parte de seu dinheiro.
“Hoje, o Estado brasileiro é financiado em sua maior parte por quem tem menor poder aquisitivo. Nos países desenvolvidos, como EUA, França e Inglaterra, essa relação se inverte, com a maior parte dos impostos incidindo sobre a renda e o patrimônio e impostos muito menores sobre o consumo”, salienta.
Um estudo do Sindifisco procurou traduzir a injustiça do sistema ao demonstrar o quanto o Estado deixa de arrecadar da parcela mais rica da população por conta de leis que dão diversas vantagens tributárias para pessoas jurídicas. O estudo mostra que, em 2006, apenas 5.292 contribuintes pagaram Imposto de Renda sobre patrimônio acima de R$ 1 milhão.
No entanto, segundo levantamento da consultoria The Boston Consulting Group, o Brasil tinha 220 mil milionários naquele ano, sendo que o critério era ter mais de US$ 1 milhão em aplicações financeiras – o que exclui patrimônio fixo. A fortuna desses milionários está estimada em aproximadamente US$ 1,2 trilhão, o que equivale a praticamente metade do PIB brasileiro. “Isso acontece porque lucros e outros rendimentos, que não o salário, são isentos do imposto de renda. Não se pode nem dizer que se trata de sonegação, essas pessoas estão dentro da lei”, explica Pedro.
Essas vantagens levam muitos trabalhadores a se constituírem como pessoas jurídicas para serem isentos do IR – muitas vezes obrigadas por seus patrões, que assim também deixam de pagar contribuições previdenciárias e outras. “Caso esse trabalhador tenha renda bruta anual de R$ 2 milhões, ele recolherá, como pessoa jurídica, R$ 266 mil no ano. Como pessoa física, pagaria R$ 538 mil de IR e o Estado ainda perde a contribuição previdenciária patronal, de R$ 420 mil. É uma ‘renúncia fiscal’ de quase R$ 700 mil por ano com essa pessoa”, alerta Pedro.
O Sindifisco estima que o governo tenha perdido em 2009, apenas por conta da isenção sobre lucros e dividendos, R$ 16,6 bilhões. Somadas outras “renúncias”, como a isenção de imposto sobre remessas de lucro para o exterior (perda de R$ 6,9 bilhões) e sobre o pagamento de juros sobre capital próprio (outros R$ 4 bilhões), alcança-se R$ 27,5 bilhões que o Estado deixou de arrecadar de empresas naquele ano. “Ao não arrecadar das pessoas jurídicas, o Estado compensa isso aumentando outros impostos, ou seja, penaliza as classes média e pobre”, explica Pedro.
“Desconfiômetro”
Os dois debatedores questionaram o “Impostômetro”, iniciativa da Câmara de Comércio de São Paulo que diz calcular o valor dos impostos pagos pelos brasileiros até aquele momento no ano. “Ao lado do impostômetro precisaríamos de um ‘renunciômetro’, para medir os incentivos e vantagens fiscais que os empresários recebem do governo, e um ‘sonegômetro’, para medir a sonegação, coisa impossível para o trabalhador, que tem o IR retido na fonte”, ironiza Vagner Freitas.
“Do jeito que eles colocam, parece que os empresários estão defendendo os interesses de toda a sociedade”, analisa Pedro. “Mas eu pergunto: se diminuíssemos de uma vez só os impostos sobre consumo, eles diminuríam o preço das mercadorias? Não foi o que vimos no caso da CPMF. O imposto foi derrubado, a saúde perdeu R$ 30 bilhões e não houve diminuição de preços, como foi dito durante a campanha dos empresários. Além dos itens propostos pelo Vagner, acho importante ter um ‘desconfiômetro’ ao tratar essa questão”, observa.
Fonte: Contraf-CUT
Foto: Jailton Garcia/Contraf-CUT