A privatização do Banerj, que completou dez anos dia 26 de junho, foi um processo longo e doloroso para os funcionários. Altamente mobilizados, os empregados do banco atuaram de maneira firme e concentrada na tentativa de impedir que este patrimônio do Rio de Janeiro fosse entregue de mão beijada à iniciativa privada. Mais do que a venda de um banco, a incorporação pelo Itaú significou o fim de um futuro melhor para todos os habitantes do estado.
A venda do banco foi justificada pela profunda crise por que a empresa passava. Mas, na verdade, os motivos iam muito além dos financeiros. Era a época das grandes privatizações no governo FHC, e os bancos estaduais no país inteiro estavam na mira. Jorge Valverde, diretor do Sindicato dos Bancários de Angra dos Reis – na época, presidente da entidade – destaca que havia muitos interesses por trás da privatização. “Mais que uma decisão técnica, foi um ato político que não levou em conta a importância de um banco que tinha o papel de fomentar a economia do estado, e muito menos o destino de milhares de bancários e bancárias e suas famílias ao demitir milhares de trabalhadores”, destaca o sindicalista.
Como tudo começou
A origem da crise do Banerj é antiga e data do início da ditadura militar. “A crise dos bancos estaduais começou quando o governo federal centralizou todos os recursos. Isto gerou uma crise de financiamento dos estados, que perderam seu instrumento de fomento da economia. No estado do Rio, a crise se acentua quando a capital é transferida para Brasília, o que provocou um esvaziamento econômico e financeiro do Rio de Janeiro”, recorda Antônio Leite, diretor da Federação e ex-funcionário do Banerj.
A saúde do Banerj foi atingida por vários golpes, como a transferência da dívida do metrô e a diferença entre os custos de captação de recursos e as taxas cobradas sobre os empréstimos concedidos pelo banco ao próprio estado, as dívidas com o Banco Central e com o Tesouro Nacional. O banco que foi o primeiro a conceder limite de cheque especial a seus clientes e pioneiro na interligação de agências on-line chegou a um ponto crítico, muito em função de administrações desastrosas encabeçadas por pessoas sem nenhuma competência técnica, indicadas por razões políticas.
A resistência dos trabalhadores
Diante da possibilidade de privatização, o funcionalismo fez o que pôde para impedir que o banco passasse para a iniciativa privada. “O funcionalismo se mobilizou para impedir a privatização. Fizemos o Seminário Nacional, onde foi elaborada uma proposta ampla de saneamento do Banerj. A visão do funcionalismo é que a inexistência do banco poderia contribuir para o esvaziamento do estado e suas políticas públicas, atingindo em cheio a população”, ressalta Antônio Leite.
Os contatos com parlamentares também foram importantes. A deputada Heloneida Studart (PT) subia freqüentemente à tribuna da Alerj para defender o Banerj público. “O Banerj era um banco com uma função social, não era simplesmente um banco apara ganhar dinheiro. Nada disso foi considerado na hora da privatização” lembra Heloneida. Foi dela, também, a iniciativa de fazer uma emenda ao projeto de privatização que conseguiu garantir o pagamento das aposentadorias e pensões. “Pelo projeto original, os aposentados iriam para a vala com a privatização”, destaca a deputada.
Foram duas intervenções e uma “gestão compartilhada” – na verdade, uma administração terceirizada pelo banco Bozano-Simonsen – até que o Itaú arrematasse o Banerj. Durante este período, o dia-a-dia do banco era tenso. “O clima ficou o pior possível, porque íamos trabalhar sem saber quem seria mandado embora naquele dia. Muitos colegas adoeceram com esta pressão”, relata João Paulo, diretor da Federação. “Foi uma época de muito assédio moral para forçar o pessoal a aderir ao PDV ou à aposentadoria antecipada”, recorda o dirigente sindical.
A Federação se utilizou da via jurídica para tentar impedir a privatização. Em janeiro de 1996, preparou ação de inconstitucionalidade contra o decreto do então governador, Marcello Alencar, que determinava a venda do banco. Diretores da entidade foram até o Congresso, em Brasília para articular o Movimento Nacional em Defesa do Banerj. Na tentativa de derrubar os argumentos pró-privatização, a entidade entrou com pedido de exibição de documentos junto à Vara de Fazenda Publica, para forçar o Estado, o Bozano-Simonsen e o Banerj a publicarem os contratos de gestão terceirizada. Sob pressão do PT, PDT, PCdoB e PSB, o governador revoga o decreto. Em fevereiro, a Federação e o Sindicato dos Bancários do Rio entregam ao Tribunal de Contas do Estado denúncias de ilegalidades e irregularidades da administração do Bozano-Simonsen.
O movimento sindical também atuou como de costume: realizando grandes manifestações. “Fizemos mobilizações no Buraco do Lume, onde ficava o “Banerjão”, na Nilo Peçanha, 75. Fizemos várias vezes o abraço simbólico do prédio, houve muita briga com a polícia, levamos muita pancada. Mas nada impediu a privatização. Conseguimos adiar algumas vezes, mas não pudemos evitar.
Problemas continuam
Dez anos depois, o Banerj ainda é uma lembrança viva no movimento sindical e na população do estado. “Aqui em nossa base, ainda hoje, servidores estaduais chamam de Banerj as agências do banco que foram transformadas em Itaú”, declara Jorge Valverde, do Sindicato de Angra dos Reis. Para muitos, o sofrimento não acabou. “Até hoje tem gente sofrendo as conseqüências. Vi um colega, em São Gonçalo, que virou gari. Outro estava mendigando na rua, porque não teve forças para procurar uma coisa nova para fazer”, relata João Pedro.
O banco faz também muita falta ao estado do Rio: Quem mais perdeu com a venda do banco foi o Rio de Janeiro e a sua população, porque o estado deixou de ser detentor do financiamento de suas políticas públicas”, analisa Antônio Leite.
Um morto muito vivo
Mas a luta ainda não está encerrada. O RioPrevidência, que substituiu o PreviBanerj, é uma fonte constante de problemas para os aposentados e pensionistas do Banerj. Já houve muita pressão sobre os beneficiários, que sofreram coação por parte da direção do fundo para abrirem mão de muitos direitos.
As garantias do extinto banco também estão sob ameaça constante. A chamada Conta B, criada para garantir o pagamento de ações judiciais contra o banco, já foi pungada irregularmente várias vezes. Depois de perder processos suspeitos, o Itaú ia à Conta B sacar um ressarcimento pelas indenizações pagas aos reclamantes.
E ainda há a parte podre do banco que sobrou na privatização e ficou com o estado sob o nome de Berj. O chamado “Banerj Velho” está na mira do governo e poderá ser vendido também. No final da gestão de Rosinha Garotinho, o banco quase foi leiloado para tapar o rombo nas contas do estado. O valor do lance mínimo não chegava a R$ 800 milhões, apesar do banco ter um patrimônio em créditos tributários estimado em mais de R$ 4 bilhões. O atual governador, Sérgio Cabral Filho, ainda antes de tomar posse, fez um acordo de transição de governo com Rosinha e adiou a venda do Berj, mas já voltou a falar em lançar mão do que resta do patrimônio para fazer caixa para o estado. “O Banerj é um falso morto, porque ainda está dando lucro”, define Heloneida Studart.
Transcrito do boletim “Unidade Informativo”, da Federação dos Bancários do Rio de Janeiro e Espírito Santo (26/6/2007)