Acabo de verificar que não houve repressão política durante a ditadura que mandou de 1964 a 1985. Deduzo a partir da leitura do texto final do decreto que institui o Programa Nacional de Direitos Humanos. A minoria privilegiada deste país regozija-se com isso. Privilegiada e, se for preciso, golpista.
Chamaram-na de revolução. Depois, constrangidos, admitiram: ditadura militar. Ora, ora, quem foi convocado para fazer o serviço sujo foram os gendarmes, por trás estavam eles mesmos, os engravatados e verdadeiros donos do poder.
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A alteração do decreto decorre de uma exigência do ministro Nelson Jobim. A pretensão de que qualquer investigação de violações dos Direitos Humanos seja executada também do lado de quem pegou em armas para enfrentar o Terror de Estado. Teríamos de apurar, portanto, as responsabilidades dos perseguidos e dos torturados? Mas já não foram perseguidos e torturados? Trágico.
A chamada Lei da Anistia, imposta pela própria ditadura e, portanto, inaceitável por um regime democrático, desde que autêntico e a vigorar em benefício de todos. Sem memória, não há povo habilitado a alcançar liberdade e igualdade. A memória tem de ser recuperada por completo para construir o futuro a partir dela. Isto vale para o indivíduo no singular e para as nações no plural.
Outros países sul-americanos reconstituíram o passado de formas diferentes e, no entanto, eficazes. Estão nitidamente à frente do Brasil e representam um exemplo recomendável. Estamos é muito atrasados. Tíbios e assustadiços, prisioneiros de temores muito antigos, totalmente passadistas, anacrônicos, às vezes hipócritas e sempre inadequados ao nosso tempo.
O golpe de 1964, de cujas consequências ainda padecemos, foi a mais recente desgraça brasileira, depois da colonização predatória, da escravidão, da Independência a resultar de uma briga familiar diante da indiferença do povo, da Proclamação da República manu militari. Ah, sim, não me consta que na Alemanha haja uma avenida Hitler e na Itália uma praça Mussolini. Já na Rússia, as estátuas de Stalin foram derrubadas. Em Brasília, entretanto, há uma ponte Costa e Silva, o ditador que assinou o AI-5, sobre o Lago Sul. Em São Paulo, uma rua Sérgio Fleury, celebrado mestre em tortura.
Extraído do texto de Mino Carta, publicado na revista Carta Capital, em 20 de janeiro. O quadro \\\”25 de Outubro\\\”, que ilustra este artigo, é do artista gráfico Elifas Andreato. Apresentado em 1981, é uma alusão ao jornalista Vladimir Herzog, preso clandestinamente e assassinado sob tortura, naquela data, em 1975.