Artigo de Elio Gaspari publicado no Globo (22/9)
O melhor programa social do governo de Lula está em curso neste magnífico ano de 2004, aquele em que os trabalhadores saíram da pasmaceira em que foram atirados em 1995. Trabalhador não quer cartão, quer salário. Esse sentimento já levou mais de um milhão de brasileiros a disputar com os patrões os reajustes de seus contracheques. São bancários, metalúrgicos, petroleiros e dezenas de outras categorias organizadas cujos orçamentos a ekipekonômica mordeu e a banca comeu. Buscam uma parte do que lhes foi tungado.
Pedem reajustes salariais com a inflação (cerca de 7%) somada a um aumento real (coisa de 3% a 5%). São brasileiros que ganham, grosseiramente, entre R$ 1.500 e R$ 3 mil. Ao seu lado não há economistas-de-consultoria, nem plenipotenciários do Banco Mundial ou do FMI.
É gente que descende da choldra parisiense que se reunia na Place de Grève durante a Idade Média. Uma escumalha que nada tem a botar no pano verde senão o suor de seu rosto.
Gente como o baiano Gilson Menezes, que às sete da manhã do dia 12 de maio de 1978 entrou na oficina da Scania, em São Bernardo, e parou a fábrica, mostrando ao Brasil que os trabalhadores podiam. Estarreceu os sábios, estonteou a ditadura. Meses depois, em comandita com o Dops, a firma infiltraria olheiros nas assembléias. Não adiantou nada. Os metalúrgicos e Gilson Menezes puderam tanto que o presidente do Sindicato de São Bernardo é o atual presidente da República.
As greves e as reivindicações dos trabalhadores são o reverso do Brasil que entra na fila para ganhar o Bolsa-Caraminguá. Não fazem parte do Brasil da solidariedade com a miséria, no qual o ministro do Combate à Fome, visconde Patrus Ananias, tem um funcionário (DAS-3) encarregado de seu cerimonial. São o Brasil que não vive dos juros do doutor Henrique Meirelles, não opera na CC-5 nem está no “mensalão”, mas produz o superávit comercial de US$ 30 bilhões.
Os trabalhadores das montadoras do ABC, do Paraná e da Bahia já buscaram o seu. Os bancários mandaram ao lixo uma proposta patronal aceita pela confederação dos empregados, filiada à CUT. Como diria Lula, o brasileiro não desiste nunca. Iansã e Santa Bárbara quiseram que isso acontecesse num governo em que três ex-presidentes de sindicatos de bancários são chamados de Vossa Excelência em Brasília (Luiz Gushiken, Ricardo Berzoini e Olívio Dutra).
A mobilização dos trabalhadores não é incentivada por Lula, mas é uma esplêndida conseqüência de sua presença no Planalto. Em quase dois anos de governo ele importou um avião de potentado árabe e entrou no Copacabana Palace pela porta dos fundos, mas nunca deu ao empresariado um só sinal de que estaria ao seu lado contra a patuléia. Faz quase dez anos que os tucanos esmigalharam uma greve de petroleiros que obrigava o trabalhador a carregar nas costas os botijões de gás de cozinha.
As filas dos caixas eletrofônicos e das casas lotéricas foram criação da banca que não pagou salários decentes aos seus empregados. Antes de praguejar contra o trabalhador da iniciativa privada parado, vale e pena pensar no empregador que adoraria transformar um desconforto momentâneo numa satanização do grevista. É preferível gramar a fila do caixa do que cevar um condomínio financeiro que mantém quase três milhões de trabalhadores nas filas do desemprego.
Greve é um momento perigoso e sublime na vida do trabalhador. Não é um jogo de ganha-ganha. Há categorias que têm força para derrotar os patrões e há categorias que não a têm. Quem não a tem, como os petroleiros de 1995, arrosta o fracasso. É o jogo jogado.
O que o governo de Lula oferece ao país é um clima de ordem, progresso e decência no qual as reivindicações dos trabalhadores e mesmo suas greves são parte da paisagem, como seu Ômega australiano. O Bolsa-Dissídio é o melhor dos programas sociais, pois dá ao cidadão a capacidade de lutar pelo valor do seu trabalho, em vez de remunerá-lo pelo tamanho de sua miséria.
Artigo de Elio Gaspari publicado no Globo (22/9)