A terceira mesa do 6º Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), debateu uma proposta de regulamentação do sistema financeiro.
“A regulamentação se faz necessária pela importância das instituições financeiras”, afirmou o ex-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Jorge Gouveia, ao ressaltar que todos os pagamentos e as custódias passam pelos bancos, que têm o poder de criar crédito, criar moeda. “O sistema tem a capacidade de alavancar ou retrair o desenvolvimento e/ou a crise. Por isso, é preciso regulamentar para garantir a estabilidade e o papel de centralidade do sistema financeiro para a economia do país”, disse.
Gouveia lembrou que a Constituição Federal de 1988, em artigo 192, parágrafo 3º, regulamenta o sistema financeiro, mas que este artigo não é autoaplicável. “Acabou criando um vazio na regulamentação e a realidade se impôs, pois os bancos são muito proativos nas suas ações”.
A falta de regulamentação prevista na Constituição, segundo Gouveia, se deu com a desculpa de que era um assunto extremamente técnico e que a política poderia atrapalhar. “Mas, afastar a sociedade deste processo decisório me parece bastante lesivo”, disse.
Função social
O ex-técnico do Dieese ressaltou a função social dos bancos. “Falamos sobre a função social dos bancos públicos, mas ela está ligada ao crédito. É capacidade de financiar a infraestrutura e melhorar a vida das pessoas. O crédito tem a função social, não apenas as instituições”, disse, ao destacar que costuma-se relacionar a função social do sistema financeiro somente aos bancos públicos, pois as instituições privadas concentram nas suas mãos os recursos que deveriam estar à disposição do desenvolvimento.
Digitalização do Sistema Financeiro
Maria Cristina Penido de Freitas, doutora em economia pela Universidade de Paris 13, organizadora e co-autora do livro “Abertura do Sistema Financeiro no Brasil nos Anos 90” (Fundap/Fapesp/Ipea) e ex-diretora do Banco Interamericano (BID), abordou o avanço da digitalização e os desafios da regulamentação financeira.
Para ela, o sistema financeiro e, em particular o sistema bancário, responsável pela criação ativa de moeda de crédito privado, desempenha um papel essencial para o desenvolvimento e o funcionamento satisfatório da economia. “Porém, a atividade financeira é inerentemente instável. No momento da reversão, ações individuais das instituições contribuem para ampliar a recessão econômica”
Outro aspecto importante, segundo a economista, é que o sistema financeiro opera com base em confiança. “O efeito-contágio da falência de uma instituição acarreta saque de recursos e empoçamento de liquidez. As instituições bancárias e demais instituições financeiras operam com elevado grau de interação em diferentes mercados de risco, com potencial de crise sistêmica”.
De acordo com Maria Cristina, a evolução constante das tecnologias da informação e comunicação (TIC) foi fator propulsor de importantes mudanças estruturais do sistema financeiro, tanto em âmbito nacional como internacional.
Um exemplo direto foi o fim do monopólio dos bancos na emissão de meios de pagamento e a concorrência entre inúmeras instituições, devido ao surgimento de fintechs, bancos digitais, de ferramentas de pagamento disponíveis diretamente em carteiras digitais por meio de aplicativos em um smartphone ou por meio de um smartwatch, e de sistemas de pagamento eletrônico instantâneo (SPI), como o britânico Faster (2009) e mais recentemente, o brasileiro PIX (2020).
“A proliferação dos instrumentos de pagamento eletrônico de emissão privada alterou a hierarquia do sistema monetário. Agora banco central e bancos competem com instituições financeiras não bancárias, prestadores de serviço de pagamento e grandes empresas de tecnologias digitais”, exemplificou.