Pressionados pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, que anunciaram quase ao mesmo tempo a redução dos juros para o consumidor, para pequenas e microempresas, as instituições privadas levaram ao governo suas condições para reduzir o spread.
Os bancos privados erraram no conteúdo e na forma ao apresentar ao governo, na semana passada, uma lista de reivindicações para reduzir os juros. A opinião é do consultor Amir Khair, especialista em finanças públicas, ao comentar a reunião em que o presidente da Federação dos Bancos (Febraban), Murilo Portugal, apresentou ao secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, uma série de propostas do setor para diminuir a taxa de juros.
“Os bancos escolheram o interlocutor errado. Murilo Portugal demonstrou uma tremenda incompetência e incapacidade de negociação. Eles perderam nesse primeiro contato com o governo. Em vez de apresentarem propostas de redução efetiva de juros, tentaram colocar a culpa pelos altos juros no governo.”
Pressionados pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, que anunciaram quase ao mesmo tempo a redução dos juros para o consumidor, para pequenas e microempresas, as instituições privadas levaram ao governo suas condições para reduzir o spread, a diferença entre o juro que o banco paga para captar recursos e o percentual que cobra ao emprestar aos clientes. Hoje, os bancos obtêm recursos pagando 9,7% ao ano e emprestam a uma taxa média de 38% ao ano.
Os banqueiros pedem a redução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a criação de novos produtos financeiros, entre outras medidas. Na ocasião, o presidente da Febraban disse que “agora a bola está com o governo”, declaração que foi mal recebida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para Mantega, “em vez de apresentar soluções como o aumento de crédito, a entidade fez cobranças de novas medidas do governo, com desonerações”.
Segundo Khair, se o governo ganhar a batalha que está travando com os bancos, sairão vitoriosas as empresas de pequeno e médio portes e as microempresas. “As empresas tomam empréstimos para capital de giro e outras operações, mas muitas delas sucumbem aos juros extorsivos pagos aos bancos, deixando de aplicar recursos para expandir ou até para reduzir preços.”
Adesão
Os resultados da estratégia do governo já começam a aparecer. Na última quinta-feira (10), o HSBC anunciou cortes nas linhas de empréstimo pessoal, financiamento de veículos e crédito consignado. O banco inglês foi o primeiro do setor privado a reduzir taxas. O Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) também aderiu ao movimento.
Khair enfatiza, no entanto, que a retomada do crescimento depende de algumas iniciativas importantes do governo: redução das despejas com juros, desoneração fiscal e câmbio favorável. “Na medida em que o governo baixar a taxa Selic para um índice próximo de 6%, praticado nos países emergentes, o governo vai economizar recursos e ter condições de desonerar a indústria e ganhar competitividade”, avalia.
Outra questão apontada pelo consultor, que também está na alçada do governo, é melhorar o câmbio. “Se praticarmos um câmbio da ordem de dois reais ou um pouco mais, a indústria nacional ganha competitividade, passa a ter maior domínio do mercado interno e, inclusive, chance de disputa externa”, afirma.
Para o economista João Sicsú, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o mercado de crédito concentrado desfavorece o consumidor que fica nas mãos de um setor sem concorrência. “Os poucos bancos que dominam esse mercado alegam que os juros são altos por conta da inadimplência e dos impostos, mas os lucros bilionários decorrem das taxas de juros elevadíssimas que eles podem cobrar porque não há concorrência.”
Sicsú destaca que a nova política dos bancos estatais deve levar as instituições privadas a reverem suas estratégias. “Os bancos privados terão de reduzir os juros também ou vão perder mercado de forma acelerada.” O economista ressalta que ao criar programas para reduzir juros o BB e a Caixa Econômica, que figuram entre os cinco maiores bancos brasileiros, estão cumprindo o papel de entidades públicas. “Os bancos públicos devem ampliar o crédito e oferecer produtos variados de investimento financeiro, reduzir tarifas e tempo de atendimento dos clientes e reduzir taxas de juros.”
Inadimplência
O argumento da Febraban de que é a inadimplência que eleva os juros, é rebatido por Juvandia Moreira, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região. “O que mais pesa na composição do spread é o lucro líquido, com 33%, segundo dados do Banco Central. Em segundo lugar, está a inadimplência com 28,7%. No caso dos grandes bancos, o índice de inadimplência não passa de 5%, o maior é o do Itaú, com 4,9%.”
A dirigente descontrói ainda uma outra teoria da Federação dos Bancos: a de que os spreads são elevados, mas que o mesmo não ocorre com as margens líquidas (o lucro dos bancos com essas operações). “A margem líquida dos bancos é responsável por 33% do spread, ou seja, é o item com maior peso. Além do spread, o lucro decorre também das altas tarifas e de operações de tesouraria. Apenas as receitas com tarifas dos seis maiores bancos atuantes no Brasil são capazes de cobrir cerca de 130% do total das despesas com pessoal.”
De acordo com Juvandia, a redução do spread não comprometeria o rendimento dos bancos, porque em vez de ganhar apenas na margem, eles ganhariam com o aumento do empréstimo a taxas menores. “O que defendemos não é o fim dos lucros das instituições bancárias, mas a permanência de margem mais razoável. Que ganhem não só as instituições, mas clientes e o Brasil com maior desenvolvimento econômico.”
Ela defende a realização de uma conferência nacional para discutir o sistema financeiro e envolver a população no debate sobre questões importantes, como os juros bancários. “A margem de lucro dos bancos está penalizando a sociedade. Os bancos são concessão pública e têm de cumprir seu papel social.”
Cadastro positivo
Nas propostas apresentadas ao governo, a Febraban também lista a regulamentação do cadastro positivo como contrapartida para a redução do spread. Para Carlos Tadeu de Oliveira, gerente de Testes e Pesquisas do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), não é verdade que o cadastro contribua, de alguma forma, para baixar os juros bancários.
“Os bancos conhecem o histórico de seus clientes e nem por isso oferecem taxas de juros mais razoáveis, ao menos para aqueles mais antigos. Portanto, não é esse cadastro que vai determinar a queda dos juros”, aponta Oliveira.
A Lei 12.414, que cria o cadastro positivo de bons pagadores, poderá contribuir para diminuir o custo do crédito para quem mantém as contas em dia. Foi sancionada em junho de 2011 pela presidenta Dilma Rousseff, mas ainda precisa de regulamentações para disciplinar o funcionamento do cadastro.
O gerente do Idec tem a expectativa de que o novo cenário estimule a competição entre os bancos para beneficiar o consumidor. “Os bancos nunca entraram numa competição pra valer. Prova disso é a portabilidade do crédito, uma medida que existe desde 2006. O consumidor pode levar seu crédito de um banco para outro e negociar com quem apresentar juros mais atraentes, mas a gente nunca viu uma campanha esclarecendo sobre essa possibilidade. Os bancos não brigam pelos clientes oferecendo crédito mais barato. Agora que a Caixa e o BB baixaram os juros e que já está havendo um movimento dos consumidores para buscar esses bancos, vamos ver como o setor se comporta. Espero que ocorra alguma competição”, afirma Oliveira.
Fonte: Rede Brasil Atual
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