Para especialistas, recurso jurídico usado pelos bancos para tentar impedir paralisações contraria o direito de greve. Veja conclusões de seminário em São Paulo.
A Contraf-CUT, o Sindicato dos Bancários de São Paulo e a Fetec São Paulo, realizaram nesta segunda-feira, 24, o Seminário “Interdito Proibitório x Direito de Greve”, que reuniu dirigentes sindicais de várias categorias de trabalhadores, o presidente da OAB nacional e representantes do Tribunal Superior do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Anamatra, além de parlamentares – que foram unânimes em condenar o uso do interdito proibitório contra as mobilizações dos trabalhadores, considerado uma afronta ao direito constitucional de greve.
Após as palestra e os debates, o presidente da Contraf-CUT, Carlos Cordeiro, informou que a entidade irá intensificar a luta para garantir o direito de greve, imprescindível para a defesa dos direitos dos trabalhadores. “Vamos formalizar denúncia sobre o abuso dos interditos proibitórios por parte dos bancos e da Justiça junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, afirmou.
“Além disso, vamos articular junto com a CUT a realização de um seminário em Brasília dirigido aos ministros do TST para esclarecer a posição dos trabalhadores a respeito desse recurso jurídico que está sendo empregado para tolher o direito constitucional de greve”, acrescentou.
Cordeiro esteve na mesa formada na parte da manhã do seminário, que contou ainda com a participação de Luiz Cláuido Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo; Sebastião Cardozo, presidente da Fetec-SP; Aparecido Donizete, coordenador da Confederação Nacional do Ramo Químico (CNQ-CUT); Valter Sanches, secretário-geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM-CUT); Cezar Brito, presidente da OAB Nacional; e Cristina Ottoni Valero, representante da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra)
Em sua fala no seminário, Cordeiro ressaltou o “abuso” dos bancos, tema da Campanha Salarial 2009, somando o uso do Interdito Proibitório como mais uma das irresponsabilidades cometidas para impedir a adesão dos trabalhadores ao direito de greve. “Este Seminário tem por objetivo cobrar do poder judiciário que os trabalhadores tenham seu direito de greve garantido. Para isto, estamos organizando documentos para fazer uma denúncia junto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as práticas anti-sindicais dos bancos”, afirmou.
Luiz Cláudio Marcolino lembrou do primeiro interdito proibitório realizado junto ao então Banco Bandeirantes com a tese de que o movimento sindical estava ocupando e destruindo o patrimônio privado da instituição financeira. Porém, a ação gravada e registrada deixou claro que o objetivo dos dirigentes sindicais era estabelecer o diálogo com os trabalhadores e informar sobre a Campanha Salarial. “A tese foi derrubada, mas é um fato que deixa claro o conflito existente entre patrões e empregados”, diz.
Segundo Marcolino, as discussões sobre o tema iniciadas em 1994 eram mais de caráter reflexivo, o que precisou ser revisto após a ação deste primeiro interdito. “Os bancos vêm se aperfeiçoando nas técnicas do interdito proibitório, fazendo uso do aparato policial e do oficial de justiça. Nas últimas decisões, nem mesmo ficar em frente às empresas está sendo permitido”, diz. “Estamos amparados sobre uma decisão legal que é a do direito de greve, por isso que este seminário está sendo feito com o judiciário e os trabalhadores para que a lei valha em todo o país e para todas as pessoas”, complementa.
Para Sebastião Cardozo, o que preocupa é o poder judiciário conceder liminares por meio de interditos preventivos e outros para bancos em locais em que não há nenhuma agência. “Há todo um aparato contra os trabalhadores, com alvarás desta natureza, mas continuaremos lutando para que seja cumprido o direito de greve”, afirma Cardozo.
O coordenador da CNQ-CUT, Aparecido Donizete, afirmou que mesmo não havendo muitos casos de ações de interdito na categoria dos químicos, seguem juntos nesta mesma luta com a classe trabalhadora, até porque as decisões podem se estender a todos. Donizete ainda apontou dois caminhos para o enfretamento junto aos patrões. A organização dos trabalhadores no local de trabalho e a rede de trabalhadores.
Para Valter Sanches, secretário-geral da CNM/CUT, é preciso aprimorar as ações sindicais e as estratégias para evitar as práticas anti-sindicais. Ele ainda lembrou de alguns casos de interdito favorável às empresas que aconteceram na categoria e enfatizou a necessidade de buscar outras formas de organização, como a mobilização junto ao STF.
Pressão sobre o STF
O presidente da OAB Nacional, Cezar Brito, disse que o abuso do interdito proibitório por parte dos bancos e da justiça deve-se à visão patrimonialista que ainda impera nas classes dominantes brasileiras, e por extensão no Judiciário. “A OAB está muito preocupada com as tentativas de criminalização dos movimentos sociais no Brasil e com a visão policialesca e conservadora que ganha cada vez mais força, inclusive no Primeiro Mundo”, disse Brito.
Ele sugeriu que o movimento sindical e os movimentos sociais, além de fazerem a denúncia à OIT, devem juntar todos os processos envolvendo interdito proibitório no país e ocupar Brasília no dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) for discutir o tema, para mostrar que esse mecanismo jurídico está sendo empregado de forma equivocada para tolher o exercício constitucional do direito de greve.
“Poucos advogados e juízes hoje no Brasil são especialistas em direito coletivo. O movimento sindical precisa se mobilizar e ocupar esse vácuo, senão ele será ocupado pelos conservadores”, aconselhou o presidente da OAB.
Lutar contra as práticas anti-sindicais
A discussão continuou na parte da tarde, com nova mesa formada por Omar Afif, da Procuradoria Geral do Trabalho; Flavio Landi, da Associação Nacional dos Magistrados (Anamatra XV); o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP); Vantuil Abdala, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST); e Denise Motta Dau, secretaria de Relações do Trabalho da CUT.
Os debatedores também criticaram o uso do interdito contra o direito de manifestação dos trabalhadores e defenderam mudanças nas relações entre capital e trabalho, incluindo a instituição de penas contra as ações anti-sindicais praticadas por empregadores.
Omar Afif destacou a diferença entre o direito de propriedade e o direito de posse, que torna impossível o uso do interdito. Ele explicou que a propriedade é exclusiva e ilimitada, enquanto aA posse, que é tutelada pelo interdito, refere-se a usar, usufruir, dispor ou reaver. “O grevista não detém nenhum desses poderes”, afirmou.
Ele salientou que o interdito só pode ser usado se houver ameaça à posse. “No caso do direito de greve não há receio de perda da posse. É o principal mecanismo do trabalhador de enfrentamento da força empresarial. Exercício justo e legítimo. Não há intenção de ocupação perpétua do estabelecimento. A maioria dos atos ocorre em local público, razão pela qual não cabe interdito”, completou o procurador do Trabalho. “Interdito é prática anti-sindical porque atenta contra a prática fundamental dos sindicatos.”
Flavio Landi, da Anamatra, enumerou os direitos que o interdito atropela: impede reunião em área pública, impede o direito à expressão do pensamento quando proíbe o uso de carro de som para convencimento dos trabalhadores sobre a importância do movimento, faz uso indevido da força policial.
Landi destacou que o uso do dispositivo vai contra a organização sindical, que é uma das quatro bandeiras da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Assim, fica o Brasil sujeito a denúncia e tem que responder aos questionamentos internacionais pelo desrespeito à livre organização sindical dos trabalhadores. “Mesmo o piquete eu sempre vi como manifestação. Enquanto for pacífico está protegido pela Constituição, que estabelece que a ordem econômica está adstrita à valorização do trabalho”, afirmou.
Greve é instrumento de reação frente ao patrão
João Paulo Cunha atacou o interdito proibitório e defendeu a importância das ações dos sindicatos para informar e mobilizar os trabalhadores. “Numa base grande, como a do Sindicato dos Bancários de São Paulo, por exemplo, o fato de um bancário não comparecer à assembléia não quer dizer que ele não queira aderir à greve. O sindicato tem a obrigação de informar esse trabalhador, convencê-lo a participar do movimento”, afirma.
“A greve é algo concreto. Não existe greve no papel, no planejamento, existe a greve de fato. Se alguém não quer que exista mobilização nos locais de trabalho, não quer que tenha greve, e isso é um direito fundamental”, acrescenta.
Para João Paulo, mais grave do que os bancários fecharem uma agência é o patrão impedir o processo de negociação, que passa pelo direito de greve. “O patrão tem o direito de punir, demitir o trabalhador e seu único instrumento de reação é a greve. Mas quando você marca a greve para a semana que vem, seguindo as etapas previstas na lei, a empresa consegue uma liminar impedindo a mobilização”, afirma o deputado.
“Queremos fazer uma audiência na Câmara e no Senado para avaliar se é possível tomar alguma medida sobre o interdito proibitório de forma que não atrapalhe o direito de greve”, sustenta.
Democratizar as relações trabalhistas
A secretária de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT) Denise Mota Dau lembrou que a luta da central por uma nova estrutura sindical no Brasil que passa também pela democratização das relações de trabalho. “Estamos num momento de luta por ampliação de direitos, como a redução da jornada de trabalho, e a ratificação das convenções 151 e 158 da OIT. Mas estas conquistas não serão possíveis sem liberdade de organização sindical e direito de greve”, afirma.
Ela lembrou a Proposta de Emenda Constitucional 368 de 2005, apresentada pelo então ministro do Trabalho e Emprego Ricardo Berzoini, que incluía avanços nas relações de trabalho e no direito de organização. “Não era um projeto ideal, porque tivemos que abrir mão de vários pontos na negociação, mas era um grande avanço, e não foi aprovada. Hoje, temos a Lei 7783, de 1989, que é muito pior e nem ela é cumprida corretamente, sendo derrubada com base em um instrumento legal que visa a proteção do patrimônio”, afirma.
“O uso do interdito está associado à cultura autoritária que há no Brasil de tutela das organizações dos trabalhadores. Parte-se do princípio dde uqe seremos sempre violentos. É uma visão atrasada, patrimonialista, que vem desde Getúlio Vargas”, afirma Denise. ” A CUT sempre teve como missão a criação de uma estrutura sindical, com negociação permanente, organização nos locais de trabalho, punição ao empregador que não negociar e às práticas anti-sindicais”, afirma.
Debater a questão com os ministros do TST
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Vantuil Abdala, elogiou os bancários, que afirmou serem “a categoria mais desenvolvida do país”, e exemplo para os demais trabalhadores. Discutindo a questão do interdito, o magistrado afirmou que o brasileiro não tem “espírito associativo”, o que diminui a participação dos trabalhadores.
“Por que é necessário convencer os trabalhadores a aderirem à greve? Eles não deveriam seguir a decisão da maioria na assembléia? É ininteligível que se debata uma greve numa assembléia e alguns membros da categoria vão trabalhar, alegando a ilegalidade do movimento”, afirma.
O jurista explicou que, após a decisão da assembléia pela greve, o direito individual de ir trabalhar não se sobrepõe ao direito da luta coletiva. Abdala citou o jurista Márcio Túlio Viana, que afirmou: “Ao exercer o seu suposto direito, o fura-greve dificulta ou inviabiliza o direito real da maioria. O que faz não é apenas trabalhar, mas – com o perdão do trocadilho infame – atrapalhar o movimento. Ele realmente fura a greve, como se abrisse um buraco num cano de água. (…) Ele luta contra os que lutam por um novo e maior direito; esvazia o sindicato, dificulta a convenção coletiva e fere o ideal de pluralismo jurídico e político.”
O jurista destacou a situação dos Estados Unidos, onde apenas cerca de 17% dos trabalhadores são sindicalizados, mas mesmo assim as entidades possuem grande força na negociação com as empresas. “A lei americana prevê sanções fortíssimas contra práticas anti-sindicais, o que faz com que os empregadores tenham muito cuidado”, afirma.
“No Brasil, as mobilizações e o convencimento são quase atos de legítima defesa contra a pressão que os empregadores fazem contra os trabalhadores. E nunca se viu uma punição a para um empregador por prática anti-sindical”, afirma.
Abdala propôs a realização de um seminário junto aos ministros do TST, reunindo representantes das centrais sindicais e outros setores interessados, para discutir a questão do interdito proibitório. “O TST não tem vivência nem experiência no interdito porque o tema não era de competência da Justiça do Trabalho. Sugiro que façamos um congresso no TST com parlamentares, sindicatos, OIT para nós aprendermos”, afirmou.
A sugestão do magistrado foi acatada pela Contraf-CUT, que irá procurar a CUT para a realização de um evento neste moldes em Brasília, para esclarecer aos juízes a posição dos trabalhadores.
Fonte: Contraf-CUT, com Seeb SP
Foto: Contraf-CUT