Pela primeira vez o governo brasileiro enfrenta o poderio dos bancos privados sem dispor de controle direto sobre os juros e num regime plenamente democrático. É esta a grande novidade da campanha empreendida pela presidente Dilma Rousseff contra o preço ultrajante dos financiamentos no mercado nacional. Sem poder legal para impor um freio à agiotagem, a autoridade recorre a meios indiretos e sem garantia de resultados, como o corte de juros pelas instituições sob controle estatal – a começar pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica. Se esse lance produzirá algum bom efeito só se saberá mais tarde. Mas o confronto está aberto e a primeira resposta dos banqueiros teve um ar de bravata. Em vez de propor ao governo um roteiro para redução de juros, o presidente da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, levou ao Ministério da Fazenda uma lista com 22 reivindicações.
Essa atitude foi – como era de esperar – mal recebida pela presidente e esse desagrado foi ecoado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Os banqueiros, disse ele, têm condições para baixar o custo do dinheiro sem receber compensação do governo, porque sua margem de lucro é muito ampla e o setor é um campeão de rentabilidade. A economia brasileira, segundo o ministro, pode funcionar com juros muito mais baixos sem prejuízo para os bancos e sem diminuição dos impostos recolhidos pelo setor. Os banqueiros recusaram-se a piscar e o governo reagiu ao desafio.
O ministro tem razão quanto a três pontos: os juros são excessivos, a margem de lucro dos bancos é muito ampla e a rentabilidade do setor tem sido comprovada de forma quase ofensiva pelos gordos balanços publicados. A margem líquida representa quase um terço do spread – a diferença entre os juros pagos na captação de recursos e aqueles cobrados pela concessão de empréstimos. Em 2010, segundo relatório publicado em dezembro pelo Banco Central, a margem de ganho correspondeu a 32,7%. Impostos indiretos representaram 21,9%. Depósitos compulsórios, subsídios cruzados, encargos fiscais e Fundo Garantidor de Crédito somaram 4,1%. Custo administrativo, 12,6%. Inadimplência, 28,7%, mas o peso deste item diminuiu nos últimos anos. Provavelmente será ainda menor se o custo dos empréstimos chegar a níveis civilizados.
Os banqueiros podem ter alguma razão quando reclamam dos depósitos compulsórios muito grandes e do peso dos tributos. Mas, se esses componentes do spread forem reduzidos, nada garantirá o barateamento dos empréstimos. O resultado principal poderá ser um aumento da margem líquida dos bancos. Por que os banqueiros cortarão seus lucros, se as condições de mercado permitirem juros altos? Este é o problema real. O mercado bancário brasileiro é altamente concentrado e a competição entre as instituições é muito limitada. Vários movimentos de concentração ocorreram desde a segunda metade dos anos 60, com fusões, compras e quebras de bancos pequenos. Pode ter havido ganhos de escala e redução dos custos unitários dos serviços financeiros, mas o resultado principal foi sempre o aumento de poder dos maiores grupos.
O último grande surto concentrador começou com o Plano Real, nos anos 90, e o fim dos ganhos extraordinários proporcionados pela inflação. Em 1996, os 10 maiores bancos detinham 50,8% dos ativos do setor. Em 2010, 80,9%. Vários estudos mostraram os efeitos da concentração bancária sobre a concorrência. Os maiores grupos acabam sendo diferenciados não só pela dimensão de seus ativos, de suas operações e de suas redes de agências, mas também pela tecnologia e pelos serviços.
A concentração foi geralmente apoiada pelas autoridades financeiras e quase sempre malvista pelos funcionários encarregados da defesa da concorrência. O processo criou instituições mais sólidas, mas diminuiu a competição e gerou um enorme poder de controle dos próprios preços. Quebrar esse poder será uma tarefa complicada, talvez só realizável com uma nova legislação. A redução de juros dos bancos estatais poderá produzir algum efeito benéfico, mas dificilmente afetará a estrutura de poder no mercado bancário.
Fonte: O Estadão