Transferência das perícias para empresas favorece acidentes de trabalho

Sindicalistas defendem equipes multidisciplinares e afirmam que a perícia não pode estar desvinculada da Política Nacional de Saúde do Trabalhador, assinada em 2011 pela presidenta Dilma, uma demanda da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

edição da Medida Provisória (MP) 644, que transferiu as perícias médicas para as empresas e convênios, e a aprovação do projeto de terceirização do trabalho na Câmara dos Deputados (PL 4330/04) devem contribuir para elevar ainda mais os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais no País, que hoje já ultrapassam 700 mil notificações por ano. A denúncia foi feita por sindicalistas, trabalhadores e profissionais da saúde durante a audiência pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (28), no Teatro da Assembleia.

Atendendo à demanda do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador e da Trabalhadora de Minas Gerais, cujos integrantes pediram “a humanização das perícias médicas”, a reunião foi realizada no Dia Internacional em Memória às Vítimas de Acidentes e Doenças Relacionadas ao Trabalho. A iniciativa partiu do deputado Doutor Jean Freire (PT), que apontou o perigo de se promover a privatização do processo de perícias médicas, com a transferência desse procedimento para as empresas e convênios. Segundo ele, a questão é agravada pela proposta de terceirização do trabalho em curso no Congresso.

Vários convidados presentes à reunião, como a coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde do Trabalhador e diretora de Saúde do Trabalhador da Secretaria de Estado de Saúde, Marta de Freitas, denunciaram que muitos peritos agem em mais de uma frente, assumindo atividades conflitantes, como a de perito do INSS, em uma parte do dia, e médico de empresa, em outra. Segundo ela, outros ainda somam a essas funções a condição de donos de clínicas particulares.

Para Marta, esse acúmulo de funções conflitantes entre si contribui para fazer avançar o processo de privatização da saúde. Ela condenou também a proposta de terceirização, afirmando que os trabalhadores terceirizados têm seis vezes mais chance de adoecer e sofrer acidentes, em razão da precarização de suas condições de trabalho.

“De cada dez trabalhadores acidentados, oito são terceirizados”, disse. Como exemplo, citou o caso da Companhia de Energia de Minas Gerais, a Cemig, onde “a cada 30 dias um trabalhador terceirizado sofre um acidente”.

“Esperamos contar com esta Casa para discutir a humanização da perícia médica”, disse Marta. Para ela, permitir que o médico da empresa à qual está vinculado o trabalhador seja responsável pela perícia até 30 dias após a ocorrência “é uma aberração”. Denunciou ainda que outra grande queixa é que muitos médicos de empresa não aceitam atestados de médicos do SUS.

Mutilados

Médico de instituições sindicais desde 1984, o deputado Geraldo Pimenta (PCdoB), disse que já testemunhou centenas de casos de acidentes de trabalho ao longo de sua vida profissional. Lembrou que, em 1988, acompanhou uma caravana de mutilados a Brasília, que foram ao Ministério do Trabalho denunciar as péssimas condições de trabalho. Com a mecanização do trabalho, o perfil do trabalhador vem mudando, disse, mas a luta deve prosseguir, agora, contra a aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de terceirização. Segundo ele, 90% dos acidentados na Petrobras são terceirizados.

Também sindicalista, o deputado Professor Neivaldo (PT) considerou muito pertinente o tema da audiência pública. Como sindicalista e professor, diz ter acompanhado muitos casos de colegas que adoeceram no exercício da profissão e, ao buscarem o recurso da perícia foram “rotulados de preguiçosos”.

“Se isso acontece no serviço público, o que dirá na iniciativa privada”, disse. Defendendo a humanização das perícias, ele denunciou também como “absurdo” o fato de profissionais residentes em Uberlândia terem que se deslocar para Belo Horizonte, a 600 quilômetros de distância, para se submeterem a uma perícia médica, e pediu solução rápida para o problema, já que muitos não têm condições físicas, psicológicas ou financeiras para tal.

Sindicalistas defendem equipes multidisciplinares

Outro que defendeu a humanização das perícias foi o secretário de Saúde do Trabalhador da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da CUT, Walcir Previtale. Ele apontou a demora no atendimento e o indeferimento dos benefícios do trabalhador, como alguns dos problemas a serem sanados. E postulou o investimento em equipes multidisciplinares, formadas por médicos, psicólogos, fisioterapeutas, entre outros profissionais, durante a avaliação do trabalhador.

Segundo ele, a questão da perícia não pode estar desvinculada da Política Nacional de Saúde do Trabalhador, assinada em 2011 pela presidenta Dilma, uma demanda da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Lembrou também que em 2008, já como preâmbulo dessa política, foi criada em âmbito nacional uma Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho, envolvendo governo, empresas e trabalhadores. Nesse sentido, disse que a MP 644, editada no final do ano passado, enfraquece a política nacional. E acrescentou que os próprios órgãos do governo trabalham de forma fragmentada, defendendo a integração entre os Ministérios da Saúde, do Trabalho e Emprego e da Previdência e Assistência Social. Finalmente, afirmou que a categoria dos bancários é campeã em lesões por esforços repetitivos (LER) e transtornos mentais, o que gera um custo social e financeiro muito grande.

O vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia, Rogério de Oliveira Silva, também defendeu a ampliação da perícia para além do olhar médico, alegando que hoje o mundo do trabalho é extremamente complexo. Destacou a necessidade de se prevenir acidentes, informando que o impacto econômico de acidentes no Brasil, hoje, é da ordem de 20 milhões reais/ano, segundo estudo do IPEA, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. “Sem falar no custo social”, disse, alegando que a Psicologia tem muito a contribuir, ao lado de outros segmentos profissionais.

José Carlos do Vale, membro da Ação Sindical Mineral, movimento que se organizou em agosto de 2014, em razão do marco regulatório da mineração, disse que a atividade minerária é a que mais matou trabalhadores no Brasil. “É um trabalho difícil, degradante, com alto índice de mutilações e mortes”, denunciou, ressaltando a necessidade de se apostar na promoção da saúde e na prevenção para reduzir o número de acidentes. “Muitas vezes o médico do trabalho não conhece nem o ambiente do trabalho”, denunciou, afirmando que os peritos “estão à mercê do poder econômico” e que muitos trabalham para grandes empresas e têm suas próprias clínicas particulares.

Guilherme da Silva Coelho Neto, do Sindicato dos Metalúrgicos de Três Marias, disse que “é notório que faltam peritos nas agências do INSS”. Por que não fazem concurso e por que os concursados não querem assumir suas vagas?, indagou. Ele também teceu críticas ao SUS, afirmando que faltam profissionais para lidar com as diversas especialidades e que tudo isso influencia no resultado da perícia. “O SUS, que deveria ser o melhor plano de saúde pública do mundo está se privatizando”, acusou.

Aceleração do processo produtivo

Antônio Pádua Aguiar, secretário de Saúde do Trabalhador do Sindicato de Metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Região, acusou a aceleração do processo produtivo pelo aumento dos casos de doença e acidentes de trabalho. Segundo ele, a engenharia de processos deveria pensar numa maneira menos agressiva de se operar o processo produtivo. Ele também defendeu redução ;o da jornada de trabalho como compensação.

Segundo o Departamento de Saúde do Sindicato de Metalúrgicos de Betim e Região, cerca de quatro mil acidentes de trabalho foram registrados nas fábricas de Betim e região nos últimos 10 anos, com o registro de 22 mortes, uma média de 400 ocorrências/ano e quase três mortes/ano.

Na fase de debates, Alessandro Luís da Silva, do Sindicato dos Telefônicos (Sinttel-MG), representando o segmento dos call centers, disse que em termos de precarização da mão de obra, os trabalhadores de telemarketing só perdem para os da rede de fast food. A maioria é formada por jovens entre 18 e 22 anos, que sofrem cotidianamente assédio moral, denunciou.

Requerimentos

No final da audiência, o presidente da comissão apresentou dois requerimentos a serem apreciados na próxima reunião: um, para a realização de uma visita ao ministro da Previdência Social a fim de levar as demandas debatidas na audiência. Outro, para realização de audiência pública destinada a debater questões relacionadas à saúde dos servidores da Cemig, inclusive os terceirizados.

O deputado Arlen Santiago pediu que cada entidade presente à audiência prepare um relatório a ser encaminhado ao Ministério da Previdência. Também anunciou que a Comissão de Saúde já agendou mais de 15 audiências públicas a partir de maio, entre elas uma, no próximo dia 13, às 15 horas, para discutir as demandas e reivindicações dos funcionários da Fhemig, que denunciaram assédio moral na audiência. Outra, no dia 20, para discutir questões do Ipsemg. E uma terceira, no dia 27, com conselhos profissionais, como os de Enfermagem e Psicologia.

Fonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais